Este
raro exemplar marca o início da história do Fusca (e da Volkswagen) no Brasil
Nos
anos 1950, o Brasil comprava, em média, 40 mil automóveis por ano – a maioria,
grandes sedãs americanos: as ruas eram dominadas por carros grandes, equipados
com grandes motores. Foi quando surgiu no porto de Santos um carregamento que
iria mudar a história da indústria automotiva do País: uma carga com 30 carros
importados da Alemanha. Coisa nunca vista: formato incomum, tamanho idem e um
inusitado posicionamento de motor (que, por seu lado, também tinha configuração
inédita para a época): boxer, instalado na traseira.
Quando
começaram a rodar, despertaram atenção dos donos de Buick, Nash e Olds por
algumas razões. A principal – o quatro cilindros contrapostos de 1.100 cm³ de
cilindrada – tinha evidentes vantagens sobre os V8 e V6: era econômico, não
fervia, por ser arrefecido a ar, e tinha baixa manutenção. O preço do carro
também era atraente, algo em torno dos R$ 32 mil, a preços de hoje, mais barato
que uma banheira americana. Quando os finos pneus diagonais começaram a marcar
nossas ruas, começava a história do Volkswagen Sedan no Brasil.
ZWITTER
O
modelo 1952 desta reportagem é remanescente da frota que desembarcou montada. E
é um dos últimos com a vigia traseira dividida, a split window, também
conhecida entre os fuscamaníacos por zwitter (hermafrodita, em alemão), pois
marca o período de transição do split para o oval. Foram produzidos de outubro
de 1952 a
abril de 1953.
A
principal diferença do modelo está no painel. Enquanto os mais antigos tinham
dois porta-luvas, um de cada lado, com o quadro de instrumentos no centro, o
zwitter adota o painel em que o quadro de instrumentos fica à frente do
motorista. O zwitter também traz rodas de 15 polegadas, medida
usada pelo Fusca até o fim de sua produção, no lugar das rodas de 16 polegadas
anteriores. E outras pequenas mudanças, como o desenho do velocímetro, das
lanternas traseiras, dos para-choques e a aplicação da forração interna que
seria adotada pelo oval.
Em
outubro de 1953, os Sedan passaram a vir desmontados, ainda com 100% dos
componentes importados (processo chamado de CKD) para serem montados em um
galpão no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Seis anos mais tarde, começam a ser
produzidos no Brasil, no endereço ocupado pela Volkswagen até hoje em São Bernardo do Campo
(SP).
Na
mecânica, o zwitter traz evoluções. A transmissão é sincronizada – nada de
acelerar, dar dois toques na embreagem e acertar a rotação do motor com a
transmissão para as trocas. E o motor, embora mantenha a cilindrada, ganha mais
potência: pula de 24,5 cv para 30 cv. Para dar a partida, vira-se a chave, à
direita no painel, e aperta-se um botão do lado esquerdo, ao lado do
velocímetro. Não há marcador de combustível. A forma de descobrir o nível da
gasolina é simples: uma régua de madeira, colocada no bocal do tanque. Caso ele
acabe, há uma pequena reserva, acionada por uma chave abaixo do painel.
SOFÁ
As
formas de besouro lembram as do New Beetle. Mas a ligação entre ambos se limita
ao formato: ao volante do antepassado, entende-se a origem do nome “carro do
povo”. Você se acomoda em poltroninhas (o banco traseiro, a propósito, lembra
os sofás que você via na casa de seus avós). O encosto do banco acaba no meio
das costas e o cinto, um acessório de época, é de dois pontos. O volante de
dois raios e aro delgado traz o castelo de Wolfsburg no miolo e os pedais são
fixados no assoalho, com o freio e a embreagem posicionados em um ponto levemente
mais alto.
A
alavanca de câmbio – uma vareta comprida espetada no túnel do assoalho – fica
confortavelmente à mão. Os pneus diagonais exigem cuidado e nos lembram dos
riscos que corríamos nos anos 1950 e 1960: dobram muito mais que um pneu radial
nas curvas e não oferecem a aderência que conhecemos hoje. Como a bitola
traseira é mais estreita, não é difícil ver a traseira escorregar. Mas não
espere por arrancadas vigorosas ou por perdas de tração por excesso de
potência.
A
suspensão traz o mesmo conceito de todos os Fusca brasileiros: feixes
transversais na dianteira, independente, e por barra de torção atrás. É
confortável e resistente, mas não é referência em estabilidade. E só
foi alterado nos Fusca alemães da década de 1970. Por lá, eles trocaram os
feixes transversais por molas helicoidais, McPherson, na dianteira, mudança que
nunca chegou por aqui oficialmente.
Nos
primórdios, os passageiros eram mais bem tratados: havia luz de cortesia
exclusiva para eles, entre as duas janelas traseiras e pequenas almofadas
redondas para apoiar os braços (outro acessório de época). Impecavelmente
conservado, o 1952 verde da Mille Duke, oficina especializada em carros
refrigerados a ar no bairro do Brooklin, em São Paulo (veja em
www.milleduke.com.br), é um dos raros exemplares encontrados no Brasil.
Vale
tanto quanto um Corolla topo de linha completo, com razão: traz certificado de
originalidade expedido na Alemanha (uma espécie de certidão de nascimento que
comprova sua origem) e, acima de tudo, tem um componente que falta à maioria
dos carros modernos: alma.
Fonte: http://caranddriverbrasil.uol.com.br/carros/classicos/conheca-o-volkswagen-sedan-1952-zwitter/138