Bacana essa “experiência”,
publicada no FlatOut, sobre “alguém” que
se permitiu, por uma semana, usar um Fusca em suas rotinas diárias.
Vamos
lá...
Aircooled
week: a semana em que troquei meu carro moderno por um Fusca Itamar
Na
semana passada encostei meu carro de uso diário para uma merecida revisão de 150.000 km. Ele irá
ganhar preventivamente novos rolamentos no câmbio (as engrenagens estão
perfeitas depois desse tempo todo!), embreagem e atuador novos, novas juntas,
retentores de válvulas, caixa de direção e, aproveitando que o motor foi
removido, uma nova corrente de comando. Não é fácil imitar Irv Gordon, mas no
fim vale a pena.
Como
você deve imaginar, tudo isso não é uma troca de óleo que se faz em uma hora na
manhã de domingo, e por isso neste exato momento meu carro está pendurado no
elevador, protegendo o subchassi dianteiro quase vazio apoiado em quatro
cavaletes. Infelizmente a vida não espera o carro ficar pronto para continuar,
e por isso descolei um outro carro para a rotina diária de rodovia, academia,
escola, supermercado e afins: um Fusca Itamar 1995.
Usar
um Fusca como carro diário em 2015 não é exatamente uma excentricidade. Muita
gente faz isso por opção (ou falta de), mas se você pensar por um instante,
estamos falando de um carro idealizado no fim dos anos 1930, há praticamente 80
anos, e que permaneceu essencialmente o mesmo durante todo o tempo em que foi
produzido por aqui. Ainda que este seja um modelo de “apenas” 20 anos, o Fusca
era algo anacrônico em 1995 — era muito mais resultado de uma mistura de lobby
da fabricante com a admiração pelo modelo por parte do presidente Itamar
Franco, do que uma alternativa real para “carro popular”.
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"Cara, esse negócio ficou bom demais!" |
Quem
tem mais de 30 anos lembra claramente: em 1993, durante um período de
instabilidade na indústria automotiva brasileira, o presidente Itamar Franco
assinou a redução do IPI para simbólicos
0,1% para carros compactos com motor de até 999 cm³, mas havia uma brecha feita
sob medida para o Fusca e a Kombi, que permitia a isenção do imposto para
motores de maior cilindrada se eles fossem arrefecidos a ar. E foi assim a que
a Volkswagen voltou a produzir o Fusca entre 1993 e 1996.
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BBS antes da moda. #choraboy! |
Obviamente
o retorno do Fusca foi polêmico. Os fãs do modelo comemoraram a volta de um
carro simples e barato de manter, mas aqueles que esperavam ver a indústria
brasileira modernizada e carros mais tecnológicos e seguros foram críticos
ardorosos do modelo. Na época Bob Sharp, hoje editor do site Auto Entusiastas e
notório admirador do modelo, escreveu uma matéria na revista Quatro Rodas
intitulada “10 Motivos para você não comprar um Fusca”. Fazia todo sentido: em
1993 o Brasil começava a receber os carros mais modernos do planeta graças à
chegada dos importados, muitos dos quais acabariam instalando fábricas por
aqui. Ter o Fusca de volta e exatamente como ele era em 1974 (ano de lançamento
do 1600S, com carburação dupla) era simplesmente um retrocesso.
Hoje,
após a febre dos clássicos, o Fusca é quase sempre um carro para curtir uma
tarde ensolarada de domingo, um encontro com os amigos no clube ou no posto, ou
mesmo uma simples mudança de ares durante a semana. Pouca gente usa o velho
besouro como único carro da família em todos os 365 dias do ano, mas isso não
significa que seja impossível. É apenas… peculiar. Por isso decidi compartilhar
com os leitores minha experiência de sete dias seguidos com o Itamar 95.
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23,354 e nenhum dos problemas que você acha que todo Fusca tem. |
No
primeiro dia foi preciso pegar o jeito para a partida. A última vez que usei um
carro carburado no dia a dia foi há quase 10 anos, era uma dupla autolatina
formada por uma Pampa L 1993 e um Voyage GL 1990, dois carros de concepção bem
mais moderna que o Fusca, e por isso também mais fáceis de lidar. Pé apoiado de
leve no acelerador, bato a chave e o ronco rasgado do 1600 de carburação dupla
começa a ecoar pela garagem. Três aceleradas suaves e progressivas foram
suficientes para estabilizar a lenta. Na hora de iniciar a marcha à ré, procuro
o retrovisor direito e então lembro que em 1995 eles não eram obrigatórios. O
jeito é esticar o pescoço. A manobra para apontar o carro na direção da rua
ocupa bem mais espaço do que estou acostumado. Meu A160 tem 3,49 m de comprimento e
diâmetro de giro de 10
metros, o Fusca precisa de um metro a mais — parece
pouco, mas é o mesmo do Jetta TSI.
Na
saída da garagem, ainda sobre o piso de pedra britada lembrei que o Fusca pode
ser divertido (ou arisco) se você afundar o acelerador em marcha baixa. A
traseira desliza para o lado sem esforço, mas isso também pode ser um
inconveniente debaixo de chuva e sobre o asfalto molhado.
Para
quebrar o gelo com os outros dois terços da minha família no primeiro dia,
comecei contando a história do Fusca, que ele foi encomendado por um cara não
muito legal e precisava viajar a 100 km/h, ter espaço para bagagem e transportar
dois adultos e três crianças com algum conforto. Assim peguei a estrada e
mantive 80 km/h
e uma boa distância dos carros da frente.
(Nota: Se você gesticula enquanto conversa com
o passageiro (eu faço isso), prepare-se para muitas dedadas no para-brisa. Ele
não fica a mais de 10 cm
do topo do volante, e está a apenas 40 cm do seu precioso nariz)
Se
você nunca dirigiu um carro antigo, sugiro que faça o seguinte: digite seu nome
no teclado do seu notebook e depois tente fazer o mesmo em uma máquina de
escrever. Parece a mesma coisa, mas não é. O Fusca, em especial, usa direção
com setor e rosca-sem-fim, que não é exatamente precisa — para desviar de um
buraco é preciso virar bem mais o volante do que na direção hidráulica do seu
moderninho. Os freios não têm servo-assistência — a força deles é a força da
sua perna, e para piorar, alguém teve a ideia não muito brilhante de colocar
discos na dianteira leve e manter os tambores na traseira pesada.
Como
resultado, você não consegue modular a frenagem com precisão, e em caso de
emergência, você fatalmente irá arrastar os pneus dianteiros para não matar o
cachorrinho que cruzou a sua frente. Em um segundo o carro não está parando, no
segundo seguinte as rodas estão travadas. Mas só as dianteiras. Nem mesmo a
transferência de peso para a frente alivia as rodas de trás.
A
turma da ferrugem já está acostumada com câmbios de quatro marchas, mas quem só
tem experiência em carros modernos terá que reaprender a usar as marchas.
Lembra que você debochava dos americanos não saberem usar câmbio manual?
Prepare-se para o choque de realidade: você também pode não saber. No Fusca a
quarta marcha é bem longa, e você acaba usando somente segunda e terceira na
cidade. Aquelas reduções que você faz instintivamente no seu carro moderno de
cinco marchas não vão funcionar aqui.
Outra
impressão que você terá somente a bordo de um carro antigo como o Fusca é o
desespero que os demais motoristas têm ao avistar a possibilidade de ficar
atrás do besouro. Eles farão o possível e o impossível para entrar na sua
frente, mesmo que você seja mais rápido que eles, mesmo que você já esteja
razoavelmente rápido. Está no subconsciente dos motoristas: “Fuscas são lentos
e atrapalham o trânsito. Faça o possível para não ficar atrás de um”.
Voltando
ao uso diário, no meio da semana foi preciso ir ao supermercado. Como o carro
não era meu e conhecendo o histórico de roubos de Fuscas na cidade, achei
melhor ficar esperando dentro do carro. Não é difícil roubar um Fusca. Você
quebra o vidro do quebra-vento, abre a porta, arranca os fios da ignição, fecha
o circuito e vai embora. Por outro lado, o quebra-vento talvez tenha sido a
maior perda na evolução dos carros. O vento que entra no carro capturado pelo
vidro cruzado é uma das melhores sensações que se tem ao volante — além, claro,
do fator nostálgico. Uma pena que isso não exista mais.
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Dizem que onde tem um, sempre tem outro, não é? |
Na
hora de guardar as compras, elas ficam bem acomodadas no porta-malas dianteiro.
Chegar ao chiqueirinho é um pouco difícil, especialmente se você tem 1,85 m de altura, e não há
muito espaço lá. Tudo bem se você levar somente dois passageiros, mas com o
banco traseiro todo ocupado voltar para casa com as compras vai exigir a
colaboração de todos.
Embora
seja um motor antigo, consegui rodar cerca de 9,5 km/l em percurso misto, com
carburadores modificados e minha tocada de carro injetado. Com jeito você
consegue economizar mais, acelerando somente o necessário e quando necessário,
afinal, não há um computador para variar a quantidade de combustível injetado e
a economia depende apenas do seu pé.
No
fim, a experiência de usar o Fusca durante a semana foi muito mais interessante
do que eu imaginava. Em um carro mais apertado, mais antigo e mais lento e sem
gadgets para te distrair, você acaba prestando muito mais atenção na máquina e
naquele filme projetado nas janelas. Além disso, a simpatia que as pessoas têm
pelo besouro é ainda mais notada quando você está no banco do motorista. As
crianças sorriem, alguns adolescentes acham “muito loco, mano“, e os mais
velhos conseguem expressar suas lembranças do carro com um simples olhar.
Ninguém faz cara feia para quem chega de Fusca.
Fonte:
http://www.flatout.com.br/aircooled-week-a-semana-em-que-troquei-meu-carro-moderno-por-um-fusca-itamar/